quinta-feira, 28 de julho de 2011

No instante menos esperado sorriu-me enquanto despenteada eu abria o portão.
Não soube nomear a situação nem mesmo nomeá-lo.
Sentamos receosos em uma praça escura como se não nos conhecêssemos e, perdidos entre xícaras infinitas de café e cigarros, enfim nos reconhecemos, em meio a penumbra desvelara-se o velho rosto já comum ao meu olhar.
São dos momentos dóceis que escolhemos a sobrevivência, é a coleção infindável de lembranças que nos prende ao relicário da vida.
Como colecionadora fotografei toda e qualquer banalidade, do silêncio às frases típicas deste cotidiano que aqui nos resta, e apaixonei-me pelo minuto, que é o que apaixona nas coisas, aquele fio de luz que ilumina por um segundo e logo não mais ali está.
Nos arrependimentos confessados a espera dilacerante pelo acaso, é tanta espera que essa agenda corre as páginas para chegar aos mesmos dias de um outro ano com este mesmo lamento na voz e um outro copo na mão.
Minha súplica é a tentativa de resgatares em mim um fôlego já cansado que faça com que esse relógio pareça um rolo gigante de fita, meu filme.
Arrependimento de aceitar o real, de ser mais mansa.
Resta um certo apego a uma trilha sonora antiga, uma rememoração que trapaceia a inércia mas, como qualquer trapassa, logo o truque é desvendado e a conformidade vem no pesar da cabeça contra o travesseiro.
Só nos resta este resquício de falsa plenitude, meu caro...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

o que escapa do silêncio

Com o corpo sobre o meu olhei dentro dos seus olhos e fundo vi tão eu que não mais o quis.
Sendo ruim de despedidas permaneci entre os seus braços devolvendo cada carícia como um eco, uma breve imitação.
Sabendo então que não mais o amava suspirei silêncio em seu ouvido e calei durante muitos quilômetros.
Mandei uma carta ao meu amante, jurei amores também a ele sem amá-lo e assim jurei amores a todos que tive, mesmo estando apaixonada sempre por mim.
Quis ser infinita naquele que de mim se enamora, quis ser palavra, frase, melodia.
Procurei em todos devolução de arte, diálogo de folhetim, mas enfim sempre conversava só, muito seriamente e sentia-me satisfeita comigo e queria dar-me o prazer genuíno que é o risco.
Arrisquei-me em tentar ser presa, baixei a guarda esperando o teu ataque, mas a tua flecha tem precisão e é o incerto que procuro. Perder-te a cada adeus, suplicar para que fiques e correr o risco de seres só despedida para todo o sempre.
Portanto, quando ultrapassares aquela porta, corre rápido e não mais voltes para que sejas meu, finalmente minha criação.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

No final o grão não é germinado, existência quase invisível. Quando a luz se intromete pela fresta consegue se avistar apenas um resquício de sumiço.
Bate-se a porta sem reivindicação de retorno e o silêncio se alastra fúnebre.
Existir como um grão é ser menos que um coadjuvante, é existir apenas para si. Sem espelhos, sem o outro, sem discurso, ser sem complemento.
Do limiar entre ausência e presença o grão nasce esquizofrênico e toca a imortalidade por descender da morte, natimorto.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

"Assim a noite nos apanha, sem pararmos um momento com medo de nos congelar... E agora andamos como por sobre espelhos, onde se reflete até o cintilar das estrelas e onde se poderia ver a trajetória da lua se ela existisse". (p.151)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

G. ,

Ouça Chet Baker agora, o minuto exige.



Preciso confessar (e isto é uma carta não enviada) que desejei teu corpo junto ao meu e o teu beijo calmo sobre os meus lábios, porém não pude... galanteadores libertinos como tu me enchem de falsos suspiros, o pensamento fica a desejar que a eternidade da tua companhia não seja calculável, que os ponteiros inexistam.

Nobre cavalheiro, amanheci às 06:00 procurando teu corpo nas dobras do meu lençol, não o encontrei... Sisuda servi minha xícara de café, creio que deixei meu riso naquela mesa de bar junto a tua imagem em borrão.

Silencie tua boca longe da minha, you don't know what love is... lembrarei dos teus olhos claros e pensativos como bela reminiscência, mas prometo esquecê-los no próximo acorde de um jazz... almost blue.

Atenciosamente,
Isabel.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

mais do mesmo

Não me restam personagens onde não esteja eu ali parada no esboço devolvendo meu olhar ao meu espectro.
Exaustivamente procuro moldar um redemoinho a ponto de torná-lo tátil, nomear a ausência, frasear o silêncio.
Repito numa repetição infinita, exaustivamente engasgo em cima das mesmas palavras, dos mesmos temas, do que descrevo como centro da minha moldura.
Observo o que é externo e tudo contamina, toque e objeto tornam-se uma só superfície.
Desequilibro entre a origem e o futuro, não há ali arquitetura onde os pés possam se firmar.
Os tecidos tremem, de fora ouço esse ranger, latejantam de uma crença de angústia tão plena que figura pulsão no movimento que tensiona a garganta.
De punhos vazios sigo atemporal, incerta do que sou transbordo fugidia.
Insisto em pontuar, demarcar final em uma mera escolha de palavra; não ultrapasso a limitação das linhas, as margens da folha.
Narro a minha história para não cair no emaranhado de dúvidas, porque quando calo indago muito a ponto de duvidar da solidez do real.
A existência é líquida, não se pode avistá-la de cima sem penetrar.
Mergulho, afogo-me e só aí saio do meu estado fetal.
Quando meus olhos deixam de se voltar para as minhas entranhas e miram o mundo, eu acordo.
Acordo sonâmbula, embriagada pelo lúdico e o almejo apaixonada.
Vivo em completa insatisfação de nunca vir-a-ser como uma lagarta imutável.
Obrigo-me a serrar o texto, pôr-lhe um fim com mãos de açougueiro.
Também costuro sempre uma retomada e teço meu texto sem fim.
Gaguejo as iniciais de um possível romance, mas volto sempre ao ciclo de escrever o nada na tentativa de algo escrever.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Há instantes que chegam sem permissão, instantes em que não se volta ao corpo, deixa-se ele ali vazio, os ouvidos se fecham, a visão embaça, como se a morte tocasse levemente a superfície do ser.
É na possibilidade de preencher-me infinitamente e poder ser tudo que nada sou além de uma pequena teimosia de constituir-me sujeito, de gritar "Eu" para que dentro de mim se ouça.
Talvez a solidão seja ser expansionista, ultrapassar o limite dos poros para perde-se num sopro do outro, confundir a face entre um milhão de máscaras até ser tão outro que dele já não se precisa.
É-se vida mas tão sem propriedade que não conseguimos sequer nos prender entre os dedos.
Quando sou sou só tecitura discursiva, só organismo a pulsar. Mas de fato sou? Posso usar esse verbo?